Seja bem-vindo. Hoje é
29 de dez. de 2009
Ano Novo Cristão
A todos amigos e visitantes do blogger,
desejo um ANO NOVO pleno de alegrias,
muita Paz, Saúde e Realizações.
Feliz, Ano Novo Cristão, de 2.010!
Maria Madalena
27 de dez. de 2009
Natal
Todos os anos à hora marcada
desces do céu onde é o teu lugar.
E logo o erro já me não diz nada
e fico a acreditar.
Aéreo encanto de uma voz perdida
no que de voz começa em ser criança,
nada de vida em ti é ainda vida,
e é o que não cansa.
Ficasses tu assim no que hás-de ser
e não seres nunca um homem por inteiro…
Porque o teu berço tem mais p'ra dizer
que o teu madeiro.
Fica-te aí, sorri, que tudo é vão
no mais que fores quando fores gente.
Toda a verdade está nessa ilusão
de estares presente.
Que o teu sorriso não é de ninguém;
nem é de ti, que inda o não sabes ser,
nem é dos outros, que já só o têm
em o estar a ver.
Mas perto e longe, por tê-lo e não tê-lo
é que tudo é belo.
Vergílio Ferreira
20 de dez. de 2009
Os amigos
Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
José Tolentino de Mendonça
in: De Igual Para Igual
Pessoa por Bernardo
16 de dez. de 2009
Nunca mais
15 de dez. de 2009
As flores tardias de maio
Aqui, olhando as pessoas ao acaso,
vêm-me à lembrança aqueles dias
em que os nossos olhos se ajustavam
e tu lias, em voz alta, os autores
da nossa preferência.
Recordo isto, como um tempo
em que os pássaros vinham,
em grandes círculos, sobrevoar
a imprevisível alegria,
tecida por nossas mãos,
para iluminar, sobre a mesa,
as flores tardias de maio.
Graça Pires
De 'O silêncio:lugar habitado', 2009
14 de dez. de 2009
Chuva
Chuva, caindo tão mansa,
Na paisagem do momento,
Trazes mais esta lembrança
De profundo isolamento.
Chuva, caindo em silêncio
Na tarde, sem claridade...
A meu sonhar d'hoje, vence-o
Uma infinita saudade.
Chuva, caindo tão mansa,
Em branda serenidade.
Hoje minh'alma descansa.
— Que perfeita intimidade!...
Francisco Bugalho
in "Paisagem"
(1905-1949)
11 de dez. de 2009
Nevoeiro
Quem poderá saber que estranha bruma
Brotou caladamente em minha volta
Pra que eu perdesse as horas uma a uma
Sem um gesto, sem gritos, sem revolta.
Quem poderá saber que estranhos laços
E que sabor de morte lento e amargo
Sugaram todo o sangue dos meus braços –
O sangue que era sede do mar largo.
Quem poderá saber em que respostas
Se quebrou o subir do meu pedido
Para que eu bebesse imagens decompostas
À luz dum pôr de sol enlouquecido.
Sophia de Mello Breyner Andresen
(1919-2004)
9 de dez. de 2009
RELÍQUIA
Onde está o silêncio onde jaz o silêncio?
Não neste braço sujo cortado
Não neste tapete espesso neste bloco de apontamentos
onde se cruzam insultos rimas
Não no pequeno perímetro das veias
- afinal tudo tudo entre nuvens de carbono
semelhantes a um bafo de camponês sobre a neve
onde se esmagavam insectos e excrementos de lobo
O primo velho outrora mo ensinara num mês adolescente.
Onde em que ilha de desolação
sufocado incerto esse silêncio soberano
onde jaz cerzido por traços de faca de pedra
Não não o barulho de um passo que caminha para a beleza dum rosto
saindo de um vazadouro para a lama musgosa da margem
Brillhante como celofane
O silencio que respira
Sim o silêncio morno de quem procura o vazio
ou de quem busca uma côr imersa na carne recordada
da mão faminta de muitos negrumes alheios
O silêncio que se recolhe
que se desdobra
que nos relembra de momentos e perdas
O silêncio que permutamos
O silêncio para além da luz entre os olhos de uma fera morta.
Nicolau Saião
(Monforte do Alentejo - 1946)
25 de nov. de 2009
'É pela tarde, quando a luz esmorece'
É pela tarde, quando a luz esmorece
E as ruas lembram singulares colméias,
Que a alegria dos outros me entristece
E aguço o faro para as dores alheias.
Um que, impaciente, para o lar regresse,
As viaturas que se cruzam cheias
Dos que fazem da vida uma quermesse,
São para mim, faminto, odor de ceias.
Sentimento cruel de quem se afasta,
Por orgulho repele, e se desgasta
No esforço de fugir à multidão.
Mas castigo de quem, por imprudente,
Já não pode deter-se na vertente
Que vai da liberdade à solidão.
Reinaldo Ferreira
In ‘Um voo cego a nada’
24 de nov. de 2009
Primavera
As heras de outras eras água pedra
E passa devagar memória antiga
Com brisa madressilva e primavera
E o desejo da jovem noite nua
Música passando pelas veias
E a sombra da folhagem nas paredes
Descalço o passo sobre os musgos verdes
E a noite transparente e distraída
Com seu sabor de rosa densa e breve
Onde me lembro amor de ter morrido
- Sangue feroz do tempo possuído
Sophia de Mello Breyner Andresen
in:Livro Sexto II (1962)
Meio da vida
(Photographer: Vitaly Pussa)
Porque as manhãs são rápidas e o seu sol quebrado
Porque o meio-dia
Em seu despido fulgor rodeia a terra
A casa compõe uma por uma as suas sombras
A casa prepara a tarde
Frutos e canções se multiplicam
Nua e aguda
A doçura da vida
Sophia de Mello Breyner Andresen
in:Livro Sexto II (1962)
'INSTANTE'
11 de nov. de 2009
DA VOZ DAS COISAS
10 de nov. de 2009
Somos Poesia
outrora foi contemplado
o momento para o qual fomos criados.
exultando,
correntes cósmicas reúnem-se
para o semear de cometas dourados.
tempos conjugam-se na linha em amor
e o azul amplia o horizonte,
onde safiras transparentes compõem as lágrimas das estrelas.
as constantes partiram em paz
e todos os corpos celestes rejubilam em silencio.
na pirâmide mística da evolução
o altar, decorado com pérolas flamejantes,
aguarda o consagrar dos votos.
Beijo em teu coração.
A noite virá mais serena.
Beijo em teu imenso ser.
O sol trará outro dia.
somos poesia dos deuses,
verbo da Luz.
jamais seremos sós!
Vicente Ferreira da Silva
POEMA AO MEU ESPAÇO
Cerca-me o espaço que não vejo
a curvatura relativista
de meus olhos, o horizonte
que entra a fundo no meu corpo,
a claridade das formas
que se incendeiam.
O meu espaço foge
aos tensores de Riemanm
alarga-se a alaga-se
num lago próximo.
Desconhece as leis da física,
permanece à luz
e pertence aos artifícios da luz,
como silhueta duma árvore
respirando a interior volúpia
das águas móveis.
Vieira Calado
6 de nov. de 2009
Imagem
No firme azul do desdobrado céu
Decantarei a mínima magia
Das sensações mais puras, melodia
Da minha infância, onde era apenas Eu.
Da realidade nua desce um véu
Que, já sem mar, apenas maresia,
me vem tecer aquela chuva fria,
Que prende esta janela ao claro céu.
Despido o ouropel desvalioso,
Já não apenas servo, mas o Rei
Da luz da minha lâmpada nomeia,
Assim procuro o centro misterioso
Do mundo que hoje habito, onde serei
Concêntrica expressão da vida inteira.
Alberto de Lacerda
25 de out. de 2009
Bóiam leves, desatentos
Bóiam leves, desatentos
Meus pensamentos de mágoa,
como no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.
Bóiam como folhas mortas,
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.
Sono de ser, sem remédio,
vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.
Fernando Pessoa
13 de out. de 2009
Começa a Ir Ser Dia
Começa a ir ser dia,
O céu negro começa,
Numa menor negrura
Da sua noite escura,
A Ter uma cor fria
Onde a negrura cessa.
Um negro azul-cinzento
Emerge vagamente
De onde o oriente dorme
Seu tardo sono informe,
E há um frio sem vento
Que se ouve e mal se sente.
Mas eu, o mal-dormido,
Não sinto noite ou frio,
Nem sinto vir o dia
Da solidão vazia.
Só sinto o indefinido
Do coração vazio.
Em vão o dia chega
Quem não dorme, a quem
Não tem que ter razão
Dentro do coração,
Que quando vive nega
E quando ama não tem.
Em vão, em vão, e o céu
Azula-se de verde
Acinzentadamente.
Que é isto que a minha alma sente?
Nem isto, não, nem eu,
Na noite que se perde.
Fernando Pessoa,
in "Cancioneiro"
Uma Após Uma as Ondas Apressadas
Uma Após Uma
Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva 'spuma
No moreno das praias.
Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o 'spaço
Do ar entre as nuvens 'scassas.
Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.
Ricardo Reis,
in "Odes"
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Luta
Fluxo e refluxo eterno...
João de Deus.
Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas...
Mas a mim, cheia de atracções divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!
Insondável problema!... Apavorado
Recúa o pensamento!... E já prostrado
E estúpido á força de fadiga,
Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.
Antero de Quental,
in "Sonetos
12 de out. de 2009
'NÃO EXISTEM COORDENADAS'
não existem coordenadas.
só miosótis em cristal vermelho.
expandem-se os sussurros místicos do Antigo,
chamamento sem substantivo,
que sentimos interior
no reconhecimento do profundo.
colunas em anil flamejante brotam das marés
e em todas as cavernas do Céu sorriem quarks azuis.
simples pronunciares dispensam representação.
há sentires que o são.
insisto. não existem coordenadas.
só o pleno do coração.
onde somos … LUZ antes da luz.
Vicente Ferreira da Silva
10 de out. de 2009
Perto do meu corpo
Conheço um rio sem destino,
confluência de mágoas e de sonhos,
onde os barcos navegam para o sul.
Perto do meu corpo nada é interdito,
a não ser um súbito verão
prolongado nas franjas da memória.
Amanhece na espessura dos desejos,
como se a madrugada descrevesse
a violência, em rotação azul,
ou crescessem papoilas nos olhos de quem ama.
Graça Pires
De Poemas, 1990
28 de set. de 2009
O sino e a sina
27 de set. de 2009
PARTIDA DE XADREZ COM IVAN JUNQUEIRA
Disseste a um jornal é absurdo morrer,
irmo-nos sem um deus, mas não sei outro modo
de viver e morrer; e também lhes dizias
um poente não é poente sem poesia.
Todavia, assentemos, é o sol que se esconde,
ou melhor, o rodar contínuo do planeta,
e por rodar assim é que nós respiramos,
a luz nos ilumina e partimos sozinhos.
Mas isso é já sabido antes do eppur si muove,
e neste tabuleiro onde jogo contigo
os meus peões e bispos os deuses inventados
há muito o xeque-mate nos destinavam, cínicos.
E quando começamos o jogo, pensativos,
quando me falaste é absurdo morrer só,
jamais nos ocorreu, para assim não morrermos,
nos bastava a alegria de um dia termos sido
altivos e distantes das mesas de xadrez.
Nuno Dempster
in Dispersão - Poesia Reunida, Edições Sempre-Em-Pé, 2008
26 de set. de 2009
Infinito interior...
Saramago
Depois do Inverno, morte figurada
Que fizeste das palavras?
23 de set. de 2009
QUEM PODE IMPEDIR A PRIMAVERA
Quem pode impedir a Primavera
Se as árvores se vão cobrir de flores
E o homem se sentiu sorrir à Vida?
Quem pode impedir a surda guerra
Que vai nos campos deslocando as pedras
- Mudas comparsas no ritmo das estações -
E da terra inerte ergueu milhares de lanças
Que a tremer avançam, cintilantes, para o limite
Em que a luz aquosa se derrama
Como um mar infinito onde o arado
Abre caminho misterioso à seiva inquieta!
Quem pode impedir a Primavera
Se estamos em 'Setembro' e uma ternura
Nos faz abrir a porta aos viandantes
E o amor se abriga em cada um dos nossos gestos.
Quem?...
Se os sonhos maus do Inverno dão lugar à Primavera!
Ruy Cinatti
21 de set. de 2009
Perfil
Feliz Ano 5.770 !!!
10 de set. de 2009
Existência
Viver,
é saber
que a única certeza
que se pode ter
é a incerteza.
É
ser
parte na natureza
e,
para alguns – apenas – sobreviver.
Quantas vezes sem beleza.
É,
muitas vezes,
diante da evidência
estremecer,
a esperança quase perder
e
a existência
procurar esquecer.
É agradecer
as alegrias
de certos dias
e
sofrer
com as tristezas
das nossas próprias impurezas.
É
jazer,
ao comungar a condição humana
de sujeição,
como toda a criação.
Mas também é não esmorecer.
E a situação,
combater.
Vicente Ferreira da Silva
in Letras, Palavras e Linhas: Gestos pela diferença
JARDIM DO ÉDEN
Árvores do bem e do mal,
Árvores da ciência e da vida.
Frutos de possibilidade
do presente e para o futuro.
Escolhas eternas,
dilemas constantes.
Sentidos humanos
e novas expulsões.
O jardim do éden existe!
É, em nós, conhecimento puro.
Depende do discernimento
para ser defeito ou virtude.
Vicente Ferreira da Silva
in Letras, Palavras e Linhas: Gestos pela diferença
3 de set. de 2009
Fernando Pessoa
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Fernando Pessoa
31 de ago. de 2009
BEIJA-ME...
(Burt Lancaster and Debora Kerr, in 'From Here To Eternity')
Beija-me
Sobre a areia fria, úmida do mar,
No sal da espuma alada
Que afaga de onda em onda os nossos pés,
No cintilar das estrelas álgidas, solitárias na noite,
Sobre os ossos lisos de corpos esfacelados e sangrentos.
Ajuda-me a lutar,
Envolve-me em teus braços
E deixa-me chorar a minha solidão
E a tua.
Teresa Balté
28 de ago. de 2009
Opaco
27 de ago. de 2009
Poema àquela certeza
É esta certeza que o tempo intercepta
– grave rumor do salgueiro ao vento
vento rumor próprio do tempo.
É esta certeza que o rio desenha
na água o vidro....no fundo a sombra
sombra da sombra que se faz na água.
É esta certeza que o vento impele
na água a folha ....no fio do tempo
tempo do tempo que o rio engendra.
É esta certeza que o rumor acende
e deixa no ar redemoinhos
círculos de vento que o vento leva.
Vieira Calado
UM FADO: PALAVRAS MINHAS
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
Pedro Tamen
(Lisboa-1934-)
"árvore de outono com brincos de princesa"
(Egon Schiele- Austria 1890-1918)
no quadro onde
as árvores adotam os
filhos
por momentos
onde eu passei a falar
com as folhas sem aprender
a voar sem aprender
a voar ou a bulir as
pressas do vento
onde o que existe no meu passado
se escusa e o que habita os dias
se chama chão e sentado
no frio que vem da luz
por momentos escondo
o peito, terreno onde os
filhos se plantam e se
encheu de ar
onde o quadro é uma mancha clara
que egon não sabe explicar.
Valter Hugo Mãe
(Angola -1971-)
Anjo
(Paint by Lee Herrman)
Não o pombo futurista mas a sombra
no ângulo vazio a folha de hera
e as orquídeas brancas na garganta
a vertigem do grito o labirinto a lâmina
as aves que evoluem não regressam
devoraram o espaço onde existiam
assinalam agora outras galáxias
cicatrizes rosáceas
a asa é o recanto da memória
o vértice onde o corpo não pesou
agora só gorjeio a harpa morna
musgo nos olhos o anjo de granito
ANJO II
A ascensão da noite é a memória
o recanto da pomba partilhado
a asa de outra ânfora o regaço
onde os labirintos que te acordam
repousam sob o lago
o horizonte ausente não abriga
a dissonância viva de um limite
o espelho cego aguarda não existe
o nó que te sufoca e reanima
o regresso do rosto à superfície.
Teresa Balté
in:Metamorfoses, 1980
(Lisboa-1942)
25 de ago. de 2009
ALGUMAS COISAS
A morte e a vida morrem
e sob a sua eternidade fica
só a memória do esquecimento de tudo;
também o silêncio de aquele que fala se calará.
Quem fala de estas
coisas e de falar de elas
foge para o puro esquecimento
fora da cabeça e de si.
O que existe falta
sob a eternidade;
saber é esquecer, e
esta é a sabedoria e o esquecimento.
Manuel António Pina
in "Aquele que Quer Morrer"
A meu favor tenho o teu olhar
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em obscuros sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que eu adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
Manuel António Pina
In O Caminho de Casa, 1989
22 de ago. de 2009
ITINERÁRIO DO SILÊNCIO
RECOMEÇO
Avançam devagar pelo mundo
de olhos fixos no outro lado das coisas
onde o sol nunca se põe
- uma luz que pode ser pálida
como o rosto envolto na antiga mortalha.
Ao fundo, o molhe recebe a névoa
e as gaivotas que não sabem onde
se refugiar nem como fugir
- quando, ao olhar para cima,
o alto e o baixo se confundem em nada.
Assim, nada se distigue, de facto,
do que é obscuro neste mundo;
e a própria noite habita este dia
- no qual não vejo nem o sol, nem o mar
nem o teu olhar sob uma erosão de pálpebras.
Nuno Júdice -
in: Por Dentro do Fruto a Chuva - Antologia Poética
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